
Adriano Subirá
24 de jun. de 2025
Como o split payment impacta o reconhecimento de receita segundo o CPC 47
A Reforma Tributária está implementando uma nova sistemática fiscal no Brasil: o IVA Dual, que é a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), substituindo os tributos cumulativos e não cumulativos (PIS, Cofins, ICMS e ISS). A natureza do novo regime, em conjunto com o split payment, altera os critérios de reconhecimento de receita conforme delineado no Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) no Pronunciamento Técnico 47 e na norma internacional equivalente, a IFRS 15.
Tratamento contábil diante do split payment
A adoção do split payment como uma prática contábil irá alterar uma série de vigências e também tratativas sobre procedimentos realizados nas empresas, o que muda substancialmente a dinâmica contábil da operação. Esse novo arranjo traz três implicações principais para a escrituração e o fluxo financeiro das empresas:
Registro contábil em duas etapas
Como no split payment é a empresa compradora (adquirente) quem faz o pagamento fracionado, o processo contábil ocorre em duas etapas distintas.
Etapa | Ação | Efeito contábil |
---|---|---|
Faturamento | Reconhecimento da receita e do passivo tributário | Receita líquida + obrigação de recolhimento |
Pagamento | Recolhimento efetivo do tributo | Baixa da obrigação + saída de caixa |
No momento do faturamento da operação (recebimento de nota fiscal):
Neste momento, ocorre o reconhecimento contábil da receita e da obrigação tributária. Mesmo que o pagamento ainda não tenha sido efetuado, a empresa já tem a obrigação de registrar o valor da venda (caso esteja vendendo) ou registrar o valor da aquisição (se for a compradora) com a devida segregação dos tributos. É então que ocorrem os lançamentos contábeis.
Débito
Clientes (se for venda) ou fornecedores (se for compra). Valor total da operação, incluindo os tributos, que representa o que a empresa tem a receber ou a pagar.
Crédito
Receita de vendas: valor líquido da operação, ou seja, sem os tributos CBS e IBS. Aqui a empresa reconhece que sua receita não inclui os valores que serão recolhidos diretamente ao governo.
Crédito
CBS e IBS a recolher: são obrigações tributárias. Mesmo que ainda não tenham sido pagas, a empresa reconhece que tem o dever de recolhê-las.
No momento da liquidação financeira (pagamento ao fornecedor):
Esse é o momento em que o dinheiro realmente sai do caixa. A empresa paga a parte do valor ao fornecedor e recolhe diretamente os tributos ao governo (via DARF, DIME, ou outro meio a ser regulamentado).
Débito
Passivos (CBS e IBS a recolher): a empresa extingue a obrigação de pagamento do tributo, pois está agora efetivamente recolhendo o valor ao Fisco.
Crédito
Caixa ou bancos (valores repassados ao governo via DARF/DIME). O dinheiro correspondente ao valor dos tributos sai diretamente da conta da empresa.
Implicações para o controle de contas a pagar e a receber
A operação de split payment demanda ajustes sistêmicos importantes:
O ERP deve permitir o desmembramento automático do valor da nota fiscal entre:
a) valor a ser pago ao fornecedor;
b) valor a ser recolhido como tributo via split.Em contratos com pagamento parcial ou faturamento antecipado, a empresa deve garantir que a apropriação e o recolhimento ocorram no momento correto da liquidação parcial, conforme o art. 27 da LCP 214/2025.
Art. 27. O IBS e a CBS incidentes sobre operações com bens ou serviços serão pagos mediante:
I – compensação com créditos apropriados;
II – pagamento pelo sujeito passivo;
III – recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment);
IV – recolhimento pelo adquirente;
V – recolhimento por responsável conforme atribuição.
Esse ponto exige controle rigoroso do aging financeiro, já que o momento de apropriação do passivo fiscal não depende da emissão da nota, mas do efetivo pagamento.
Impactos no fluxo de caixa e conciliação bancária
Como os valores do IVA são destacados no momento da liquidação e pagos diretamente ao Fisco, eles não transitam pelo caixa do fornecedor, o que:
Diminui o valor a pagar ao fornecedor (liquidação financeira menor);
Exige conciliação separada das transferências bancárias referentes aos tributos e à contraprestação contratual;
Cria a necessidade de rastrear e auditar o recolhimento dos tributos splitados, já que eles não ficam sob responsabilidade do fornecedor.
E se houver crédito acumulado do fornecedor?
O recolhimento via split payment é feito com base na operação corrente de débito, ou seja, na venda que está sendo liquidada, independentemente do histórico ou da posição fiscal do vendedor. O adquirente continua sendo obrigado a reter e recolher os tributos daquela operação, mesmo que o fornecedor tenha crédito acumulado com o Fisco.
Essa lógica reforça o caráter objetivo e automático do split payment: ele não serve para compensar saldos ou ajustar contas entre contribuinte e Receita. Serve exclusivamente para garantir que o imposto daquela operação específica seja recolhido de forma imediata e direta. Em outras palavras, trata-se de um instrumento de arrecadação, e não de gestão de crédito tributário.
Interface com o CPC 47 e IFRS 15
Segundo os itens 31 a 38 do CPC 47, a receita deve ser reconhecida quando a empresa transfere o controle do bem ou serviço ao cliente, que pode acontecer ao longo do tempo (como em contratos de serviço contínuo) ou em um momento específico (como na entrega de um bem).
O split payment, por sua vez, obriga a empresa a segregar, mensurar e contabilizar os tributos de forma diferente. Essa dissociação entre reconhecimento de receita e recolhimento de tributos exige uma revisão na estrutura dos sistemas contábeis, fiscais e operacionais da empresa para manter aderência ao CPC 47 e à legislação tributária, interferindo em três pontos principais:
Preço da transação (que exclui os tributos);
Momento de reconhecimento (que pode ser diferido pela necessidade de liquidação);
Mensuração do passivo relacionado a tributos incidentes sobre a operação.
Além disso, obrigações acessórias como notas técnicas do eSocial e SPED Fiscal precisarão estar alinhadas com os novos modelos de escrituração do split payment.
Capacitação é essencial
Com as novas regras já sendo regulamentadas, profissionais que não se anteciparem à adaptação podem expor suas organizações a erros de contabilização, contingências fiscais e perda de compliance.
Por isso, iniciativas como o curso Reforma Tributária: O Guia Completo! Do Planejamento à Execução se tornam estratégicas. Nele, especialistas como o Prof. Mateus Alexandre (Ph.D em Contabilidade) e o Prof. Ângelo de Angelis aprofundam questões como a contabilização da CBS e do IBS, o impacto da Reforma em diferentes modelos de negócio e os cuidados com o split payment.

Em um momento de transição como o que vivemos, informação técnica de qualidade deixa de ser diferencial e passa a ser requisito básico para quem atua com contabilidade tributária.
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